quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Adventure Race World Series - Xtral Altay Expedition - China

Equipe: Nossa Vida
Atletas
Jonas Juncks, Aline Souza, Alexandre Rossi e Daniel Pincu
Data: de 05 a 10/06/2017
Local: Altay - China
Organização: Xtrail
Distância: cerca de 600km
Modalidades: Trekking, Bike, kayaking e Rafiting


Corro o Circuito Catarinense de Corridas de Aventura - CCCA desde 2014. Nesses 4 anos também corri algumas provas em outros estados, sendo que as maiores foram de 200k (3x).

Sempre esteve nos meus planos correr uma Expedição de verdade, dessas de vários dias, mas sabia que para isso precisaria me planejar de forma minuciosa (escolher a prova, equipe, treinar, treinar, treinar, programar férias, ...). 

No dia 11/05 recebi um convite do Jonas Juncks, capitão da Equipe Nossa Vida, para corrermos uma etapa do Adventure Racing World Series - ARWS (campeonato mundial de corrida de aventura), na França. Sendo que a prova seria dali a menos de 1 mês. Na hora fiquei lisonjeada, empolgada, nervosa, de tudo um pouco. 

Avaliei (brevemente) os fatos e constatei que aquela seria uma oportunidade única, já que iria correr com pessoas que conheço (além do Jonas a equipe contaria com Pedro Pinheiro e Kim Emmenergfer) e tenho afinidade, ou seja, me sentiria a vontade. Não estava treinando para algo tão grandioso, mas estava com os treinos de MTB e corrida (longos) em dia.
Precisavam de uma resposta rápida e eu ainda tinha que resolver a questão das férias com meu chefe. No dia seguinte dei uma resposta ao Jonas: EU VOU (congelador na barriga). 
A partir dali começamos a trabalhar nos preparativos (passagens, equipamentos obrigatórios, treinos, ...). 

Já no día 12/05, avaliamos todos os custos e percebemos que a prova sairia bem cara para todos, passagens muito caras em cima da hora e lista gigante de equipamentos obrigatórios para prova. E, nesse mesmo dia, o Jonas apareceu com uma nova possibilidade: ao invés de irmos para França poderíamos ir para a China, iriam realizar uma etapa do mundial lá no mesmo período, com premiação expressiva em dinheiro, o que certamente chamaria as equipes tops.

A priori todos ficaram receosos, mas a conversa foi evoluindo.
No dia 15/05 o Kim bateu o martelo dizendo que não poderia ir para China (havia topado ir pra França porque já estava na Europa fazendo estágio). 
Continuamos Eu, Jonas e Pedro, sendo que para o Pedro já estava difícil desde o começo, ele iria fazer o Iron Man Floripa no dia 28/05 e teríamos que embarcar na semana seguinte. 

Jonas continuou na sua busca por novos atletas (loucos, que topassem encarar esse desafio tendo 15 dias de "preparação"). Nesse mesmo dia o Jonas confirmou a participação do Alexandre Rossi, fiquei super feliz porque já conhecia ele a admirava sua atuação nas CAs. 

A partir desse momento passamos a focar na China, vimos que precisávamos de visto, que para pedirmos o visto precisávamos de passagens compradas, hotel reservado ... a lista dos preparativos estava grande e o tempo escasso. 

No dia 17/05 conseguimos fechar a equipe: Jonas, Eu, Alexandre e Daniel Pincu (Argentino). 
No dia 18/05 compramos as passagens, embarque no dia 30/05, as 1:30 da manhã, em São Paulo. 
No dia 19/05 entreguei todos os documentos para nossos vistos ao despachante. 
Em paralelo fomos cuidando de todos os outros itens necessários à viagem e à uma prova desse porte. Era tanta coisa pra ver e fazer que na última semana nem consegui treinar. 

Chegando a hora do embarque...
No sábado antes da nossa partida, fui até Gaspar, na casa do Jonas, para deixar minha caixa da bike. No mesmo sábado Alexandre saiu de Getúlio Vargas em direção a Gaspar. 
Jonas e Alexandre saíram domingo de Gaspar em direção a São Paulo. Pincu saiu de Neuquén para São Paulo na segunda. 
Eu trabalhei na segunda e encontrei os 3 por volta das 21:30 no aeroporto de Guarulhos. Equipe reunida, devidamente apresentada. Hora de despachar as bagagens, uma das nossas preocupações, devido ao despacho das caixas das bikes.  

As caixas que levamos, com exceção da do Pincu, seguem o padrão exigido pela ARWS (140x80x30). Nosso primeiro trecho seria com a Ethiopian Airlines e, no site da empresa, dizia que para o despacho a dimensão da bagagem (L+A+C) não deveria ultrapassar 158cm, ou seja, estávamos fora dos padrões. Nesse caso, para o despacho das bikes teríamos que pagar 100 dólares. Combinamos de fazer uma choradeira no checkin.



Argumentamos muito, negociamos com o atendente, que chamou gerente ... e depois de um bom tempo conseguimos passar sem pagar a taxa de despacho das bike. Mas, quando estávamos passando pela imigração, constatamos algo estranho nas passagens do Pincu e tivemos que voltar para conferir, nisso o atendente voltou ao assunto das bikes e nem depois de muita argumentação passamos sem pagar os 100 dólares por bike (dor no bolso). 

Nosso itinerário foi: 
SP - Etiopia (13h05) 
5h25 de espera 
Ethiopian - Tóquio (10h)
3h50 de espera 
Beijing - Urumqi (4h10)
Total de quase 36h de viagem.


Parada na Etiópia 



Para nossa surpresa, quando chegamos em Urumqi haviam 3 pessoas da organização da prova, com uma plaquinha, nos esperando para recolher as bikes. Ficamos muitooooo felizes, agora teríamos um problema a menos. 
Com a organização também descobrimos que havia um ônibus partindo para Kanas (local da largada da prova) naquele mesmo dia, as 10h. 
Fomos para o hotel. Para fazermos o checkin tivemos que conversar via Google Translator com a atendente que não falava nada de inglês. Com o tempo fomos percebendo que isso era o normal, dificil encontrar alguém que fale inglês na China (pelo menos na parte da China por onde passamos).
Checkin feito, tomamos aquele banho, dormimos um pouco, acordamos cedo na tentativa de nos abastecermos de comidas para a prova, tomamos café, que na verdade estava mais para um almoço (outra surpresa para nós, falo mais sobre isso depois), e partimos em direção ao aeroporto. O tempo já estava curto e ainda fomos parados pela polícia, que nos tirou do taxi, pediu nossos passaportes, e ficamos naquela de tentarmos conversar por mímica, obviamente que o policial nem o taxista falavam inglês. 
Chegando no aeroporto, encontramos a Van da organização e fomos apresentados à duas equipes com quem viajaríamos (Bones e Aussie Battlers).
A viagem de Urumqi até Kanas levou 13,5h. O motorista era super lento e, não bastasse isso, fomos parados 7x pela polícia, sendo que em várias delas checaram nossos passaportes. Pelo menos o visual compensava.




Chegando no hotel (tarde da noite) antes de sermos acomodados em nossos quartos, combinamos um treininho para manha seguinte. Já no quarto tomamos um banho e capotamos. 


Hotel em Kanas

Acordamos cedinho, com um baita frio lá fora, vestimos nossa roupinha de trekking e partirmos em direção às montanhas, deixando que as trilhas que apareciam nos guiassem. 
Esse treininho leve foi uma amostra do que nos esperava aquela prova, montanhas e visuais incríveis. 





Durante este dia conhecemos um pouco mais sobre a culinária Chinesa, e com o tempo descobrimos que comem a mesma coisa no café da manhã, almoço e janta. No começo você acha engraçado, mas com o passar dos dias você sonha com um pãozinho de trigo quentinho com manteiga e um cafezinho.

Café da manhã 

Conhecemos um pouco a cidade e aproveitamos para fazer umas comprinhas (comida e água).
No final da tarde recebemos nossas caixas das bikes.


Levando a Camisa da Equipe Os Pamonhas mundo afora
  

No dia seguinte mais uma vez acordamos cedinho, dessa vez para um pedal. Eu, Pedro e Alexandre pedalamos e Pincu correu. Passamos por lugares lindissímos, subimos uma baita morrebona, descemos pro outro lado e voltamos. Foi uma boa oportunidade para testar os esquemas de reboque. Deu tudo certo.






Neste mesmo dia recebemos os racebooks com as distâncias, tiramos a foto oficial da equipe e partimos para preparar nossas caixas de apoio. Recebemos 4 caixas (A, B, C e D) sendo que iriamos acessar cada uma das caixas em áreas de transição (AT) diferentes. A logística de preparação das caixas não foi nada fácil (para mim). Por sugestão do Jonas, preparei váaaarios saquinhos com comida suficiente para 6 horas, assim dependendo da estimativa de tempo do trecho levava X saquinhos e separei uma muda de roupa para cada transição. Claro que em cada caixa deixei uma roupinha extra, muita comida extra (sobrou muitoooo de tudo), peças de reposição da bike, lencinhos umedecidos, talquinho...

Informações Race Book
Leg1 - Trekking - 3k
Leg2 - Kayaking - 25k
Leg3 - Rafting - 12k
Leg4 - Trekking - 49k
Leg5 - Mountain Bike - 201k
Leg6 - Kayaking - 15k
Leg7 - Trekking - 40k
Leg8 - Kayaking - 55k
Leg9 - Mountain Bike - 106,5k
Leg10 - Trekking - 1k

Foto Oficial da Equipe

Olha o Brasil representado na China

Meus saquinhos de transição

Finalizada a organização, entregamos tudo para a organização: caixas de transição, caixas das bikes, equipamentos de kayak e fizemos o check list dos equipamentos que deveriam estar conosco nas mochilas durante toda a prova (saco de dormir, casaco anorak, calça anorak, fleece, calça comprida, camisa comprida, lanternas, pilhas extras, ...). 



Olha ai os kayaks de brinquedo

Nada mais a fazer, tentamos relaxar para aguardar a largada, que seria no dia seguinte.

Vai uma cervejinha na temperatura ambiente e uma comidinha apimentada?

Equipe Paz na Terra e Tribo do Esporte representadas no Mundial

Dia da largada

Todos os atletas foram levados de ônibus para o local de largada.
O caminho foi longo (pelo menos para meu nervosismo), com muitooooo morro e paisagens deslumbrantes. Lá do alto via-se um rio violentíssimo (pelo menos para meu medo). Eu olhava e pensava: meu Deus, o rafting vai ser ai? Vou morrer ... 

Antes da largada algumas apresentações culturais, teste dos GPS e chips.


Leg 1 - Treking - 3km 
Leg 2 - Kayaking - 25k




Largamos num pequeno trecho de trekking de uns 3, 4km. Ao final tivemos acesso aos Kayaks e nossa bolsa com coletes. Ajustamos os paddles dos barcos e saímos a remar. 
Remamos num lago maravilhoso, com água verde turquesa, sem vento, rodeados por montanhas com picos nevados. Foi realmente incrível. 
O remo era bate e volta. Chegando ao final passamos nosso chip e voltamos. Quando estávamos chegando no ponto de virada fomos encontrando algumas equipes voltando, contei umas 6. A primeira delas Seagate (meu, como remam bonito). Aproveitamos para dar um tchauzinho, já sabendo que essa seria a última vez que os veríamos na prova (rsrs). 


 


Leg 3 - Rafting - 12,5k

Chegando do Kayaking levamos nossos barcos até o local de guarda. Pegamos um dos botes (de brinquedo), nossos remos (também de brinquedo) oferecidos pela organização, amarramos as mochilas e começamos a descer o rio. 

Já de cara percebemos que a tarefa não seria nada fácil. O bote era pequeno, os remos não respondiam muito bem (difícil de dar leme) e o rio era realmente muitoooo nervoso. 
Escapamos de alguns apuros, mas em dado momento entramos meio de lado numa onda e a embarcação virou. Fiquei trancada embaixo do bote. Um filme passou pela minha cabeça. Precisava sair dali, mas não conseguia, o rio era muito agitado (e gelado) e eu já estava engolindo água. Nisso percebi que alguém me puxava e me deixei levar. 

Todos gritavam pedindo por ações: segurem nossas coisas, se segurem no barco, temos que desvirar o barco. A água era congelante. Depois de desvirarem o barco me puxaram para dentro dele e tentamos nos acalmar. O barco estava com muita água dentro (começando a afundar) e nossa melhor opção foi parar numa margem. 

Quando paramos esfriamos muitooooo, todos tremiam. Algumas pessoas da organização (ARWS) apareceram e deu para ver pela cara deles que ficaram preocupados com o ocorrido, mas naquela altura do campeonato, não havia o que fazer senão continuar. Tratamos de fazer isso logo, antes de congelássemos. Graças a Deus a pior parte do rio já havia passado, foi só nos concentramos em entrar sempre se frente nas ondas e fazer muita força, principalmente quando passávamos por algum remanso. 



Último PC antes de entregar o bote

Terminado o rafting tivemos que carregar o bote morro acima até o AT. 

Olha a cara de feliz da louca sabendo que não teria mais rafting pela frente

Leg 4 - Trekking - 50k

O tempo ameaçava tempestade, o céu estava muito negro. Isso nos assustou um pouco, já que subiríamos montanhas muito altas, mas decidimos seguir viagem na esperança de que nossos equipamentos obrigatórios dariam conta do frio e chuva que iríamos encarar. 
Chegando na caixa constatei que havia cometido um erro. Minha sacola do trekking 1 não estava ali. Por sorte havia deixado tudo em excesso em todas as caixas, então só não tive disponível meu bastão de trekking topzeraaaa (empréstimo do amigo Querido Gerson). 
Troquei apenas a dry fit, coloquei meias secas, comi e bebi o que deu, me abasteci de mantimentos para 12h e seguimos nossa caminhada. 

Como era de se esperar, já de cara subimos muito. Depois da longa subida já com muito vento, frio e um pouco de chuva, seguimos por uma região descampada ao lado de todas aquelas montanhas nevadas. Certamente esse trekking foi o mais lindo que já fiz. 
Começou a chuviscar e o vento estava congelante. Paramos, colocamos toda roupa disponível e seguimos, no meu caso não tinha como não seguir mega animada, maravilhada com aquele visual. 
As nuvens negras começaram a se distanciar com o vento e graças a Deus não pegamos a prometida tempestade, por fim ainda fomos presenteados com um arco íris maravilhoso ... olhava para ele e pensava: deve ter algum um PC do outro lado (rsrs). 



Assim que começou a escurecer a situação foi ficando um pouco mais tensa. Jonas já havia avisado que certamente subiríamos alguns daqueles picos nevados. Para mim parecia loucura subir lá onde se tem neve, pensa no frio. 

Fomos pegando PC a PC sem erros de navegação. O caminho nos fez passar por charcos, atravessar muitos trechos com neve, mas nada disso nos intimidou. Seguimos caminhando por toda a noite, dispensando um pouco mais de atenção nos últimos PCs (a escuridão dificulta um pouco). Nessa hora eu já estava com muito sono e na dúvida se tomava ou não tomava cápsulas de cafeína. Não as tomei na esperança de que em algum momento iriamos dormir um pouco ... acho que foi um erro. 

Ao final desse trekking, antes de seguirmos para o AT havia uma pista de orientação. A região era toda plana, mas mesmo assim buscamos todos os PCs caminhando, estávamos cansados e as pernas não queriam saber de trotar. 





Chegando ao AT peguei minha sacolinha do MTB1 e segui em busca de um local para me trocar, o que não foi tão fácil. Estava muito gelada, com os pés molhados, e com muito sono.
Os banheiros da China são estilo buraco no chão, a área livre era meio aberta, não tinha onde pendurar as coisas, tive que fazer uma ginástica para me trocar. 

Troquei de roupa, limpei os pés, coloquei uma meia limpa, sapatilhas, lavei bem a cara (com água congelando) e sai me sentindo pronta pra próxima. 

Fui ao encontro dos meninos, que já haviam montado minha bike (fofos) e estavam com comida liofilizada quentinha (quase todos os ATs tinham água quente). Comi um pouco, fiz um café com leite, me abasteci de água e partimos. 



Leg 5 - MTB - 275k 
(distancia do nosso odômetro)

Sabíamos que esse pedal seria duro, então até ficamos felizes por de cara pegarmos 4K de asfalto (mesmo começando com uma bela subida). A felicidade durou pouco e logo pegamos uma estrada de chão. Paramos algumas vezes antes de passar pela parte que para mim foi a pior desse pedal, um trecho de empurra bike, com muito muitos (mas muitos mesmo) mosquitos, sério, difícil descrever e difícil para quem está lendo acreditar, olhava para minha dryfit branca e sempre haviam uns 100 mosquitos agarrados em cada braço. Eles picavam por tudo, em cima da blusa, da calça. E a subida foi longa. Cheguei ao topo esgotada. Sentei um pouco, comi umas azeitonas e começamos a descida ... aí sim. Pensa no single track. Primeiro um descidão da P* e depois trilhazinhas que subiam e desciam, isso tudo rodeado de campos lindos e montanhas. 
Chegando no estradão,  vimos uma vilazinha e fomos até lá com a ideia de comprar uma coquinha 😬 conversamos por mímica com um guarda por perto e ele falou (também por mímica) que não havia, mas nos ofereceu água e comida. Aceitamos. Chegando lá, algo parecido como um alojamento policial, fomos recebidos com água mineral e nuddles. Todos muito simpáticos conosco. Depois de comer, falamos (mímica) em descansar um pouco e praticamente nos obrigaram a deitar em suas camas. Tentamos argumentar que estávamos sujos, mas não teve jeito. Dormimos por 15min e esse pra mim foi o melhor sono da prova. Acordei zerada (que coisa louca). Esse soninho foi importantíssimo para encararmos o que vinha pela frente. 

Antes de partirmos como tradicionalmente os chineses nos pediram uma foto (para os chineses nós ocidentais somos todos artistas, sei lá, sempre queriam tirar fotos com a gente, não só durante a prova). 


Dá uma olhada na "barraca" Kazaqui (eu chamo assim)




Saindo dali encaramos trechos de estrada de chão onde subíamos até o infinito, descíamos tudo (tipo até o inferno), subíamos tudo de novo, descíamos mais uma vez.... O visual era incrível o tempo todo. A primeira parte com montanhas verdinhas e topos nevados, depois uma parte com muitas pedras com uma descida margeando um desfiladeiro (o próprio racebook avisava do perido). Passamos por muitos pastores levando seus animais, muitos animais. Manadas de ovelhas, camelos (ou dromedários), cabras, bois, cavalos ... muito engraçado. A cada manada (que ocupava toda a rua) tínhamos que parar e tentar fazer os bichinhos nos darem um lado para passarmos. Como eu queria ter filmado isso ... 




Antes de iniciarmos a parte que nos levaria a dark zone paramos pela última vez para nos abastecermos de água na casa de alguns locais, que nos fizeram entrar para pegar água (sempre eram muito prestativos). Ali também havia um "mercadinho" onde aproveitamos pra tomar um coquinha, como todas as bebidas na China, na temperatura ambiente. 

Passamos por um trecho longo onde haviam muitos caminhos com bastante areião. Eu, na tentativa de andar junto com os meninos, cai alguns tombos. Um dos motivos foi o fato de meu clipe da bike estar muito apertado, sempre que me desequilibrava acabava caindo. 

O caminho até o dark zone foi longo, pensamos que seria mais ou menos perto do km 100 mas pedalamos pelo menos até o km 150. Chegamos por volta das 2h da manha, todos exaustos. 

La era obrigatório participar da elaboração dos nuddles que iríamos comer. As chinezinhas eram umas fofas. Me fizeram um nuddles com muitos cogumelos, não sei se era a fome, mas foi o melhor prato que comi na China.



Ali também ficamos sabendo de algumas mudanças na prova. Cortaram alguns PCs numa região que estava inundada e cortaram os dois próximos trechos de remo devido aos ventos fortíssimos (só fomos entender depois). Com isso, nosso pedal que já considerávamos gigante ficou ainda maior ...

Após jantar peguei minhas coisinhas e fui para barraca dormir, montaram uma barraca grande, comunitária, para as equipes ... chão duro, o que tínhamos era o saco de dormir que carregávamos. Tínhamos que parar por 2h neste dark zone, então eu tinha quase 1:30 para dormir, mas quem disse que pegava no sono? Girava pra um lado para outro, rezava, fazia mandinga .. tentei de tudo, mas só rolei. 

Terminado nosso tempo obrigatório levantamos, ajeitamos nossas coisas e partimos. Esse trecho onde estávamos era meio que um deserto, um visual muito louco com umas pedras enormes. Ainda estava escuro então via mais os vultos da paisagem (piração total). Depois de um tempo começamos a percorrer um trecho de canoying, super pedalável, cruzamos o rio inúmeras vezes. Nessa parte já estava amanhecendo e pudemos contemplar as belezas. 


Esse trecho terminou numa área bem seca e plana. Pedalamos um pequeno trecho no asfalto e adentramos numa área de plantações ... nesse ponto, furamos dois pneus ao mesmo tempo, o meu e o do Jonas. Trocamos os dois e quando fomos encher o meu ele não enchia, trocamos mais uma vez. Dessa plantação literalmente entramos no deserto, região seca, sem nada ... e com muitoooo vento. 

Procurávamos por um PC que era uma construção, mas por não prestarmos a devida atenção nas referências iniciais acabamos perdendo bastante tempo por ali. O Jonas e o Alexandre saíram para tentar refazer as referências e eu e Pincu tiramos um cochilinho. Haviam me falado e aprendi na pratica, os piores lugares para dormir são os ATs, pra tu ver, tinha 1:30 para dormir no AT e não consegui, deitei ali no deserto, cão duro, com sol na cara e um baita vento e dormi de boa ... 10min sagrados. Os meninos voltaram e decidimos refazer o caminho iniciando pelo lago, que era nossa melhor referencia. Deu certo. 


Desse PC seguimos em direção a uma cidadezinha, perto do local onde havia a tal inundação. Pegamos um PC embaixo de uma ponte e a partir dali iniciamos nosso retorno em direção ao AT. Paramos no caminho para uma coca, liofoods e aquele cochilinho de 10min. Dessa vez deitei no cimento, como era perto da estrada rolava uma poeira na cara, mas nessa hora nada importa, dormi gostoso. A partir dali sabíamos que enfrentaríamos vento, muito vento. Mas olha, nunca imaginei que seria tanto. Trecho de asfalto, com tanto vento que era difícil manter as bikes retas. Andávamos a menos de 10km/h e a força que fazíamos era exaustiva. Num momento fiquei atrás do grupo e cheguei a chorar, de desespero daquela situação. Pronto passou (rsrs).
Paramos 2x para comer algo, já que era impossível comer (ou se hidratar) pedalando sem perder o controle da bike. Numa dessas paradas dormimos 15min numa casinha abandonada. 
Antes de chegarmos ao AT ainda entramos em mais uma região desértica, com areia super fofa para pegarmos um PC numa ponte. Dali seguimos até o AT. Ao todo foram 275km de pedal em 36h. 

O AT tinha uma área de descanso dentro de uma daquelas barracas kazaqui. Dentro tinha uma mesa e uma cama gigantes. Tudo glamouroso (e convidativo). Nesse momento só estávamos nós no AT. Me troquei, tentei me "lavar" um pouco com lencinhos umedecidos, cuidei dos pés, preparei a mochila pro trekking (dessa vez peguei os santos bastões) e comi um pratinho delicioso de liofoods preparado pelo Alexandre (querido): arroz com milho, arroz com ervilha e feijão carioquinha (DELICIAAA). Decidimos dormir um pouco, o que era preocupante ... cama, cobertor, ... quero ver sair dali. 
Incrivel ... mais uma vez rolei e não dormi, acho que meu problema está com os lugares confortáveis (rsrs). 
Hora de encarar o trekking, mesmo vendo que lá fora chove ... 

Leg 5 - Kayak - 15k
Cancelada

Leg 6 - Trekking - 40k

Começamos o trekking as 22:30, no escuro. Adentrando umas montanhas muito loucas, só de areia. Olhava para todos os lados e pensava: meu deus isso é tudo igual, para todos os lados, como vamos sair daqui? 



Atravessamos essas montanhas debaixo de chuvisco. Quando chegamos numa pequena parte de asfalto começou a chover mais forte, colocamos nossos anoraks e seguimos ... cruzamos a equipe Vitalin voltando, caminhavam juntinhos com uma caixinha de som, curtindo uma zonzeira (achei legal). Também nesse trecho, passou por nos uma caminhonete, o cara acho que ficou com tanta dó dos loucos caminhando na chuva e frio que voltou para ver se precisávamos de ajuda, ofereceu uma carona (rsss). 

Saímos do asfalto e entramos novamente no deserto, sei que não é deserto, mas é uma região montanhosa, seca, sem muita vegetação, tão diferente do que vemos por aqui que para mim parecia sempre deserto. 
Caminhamos firmes até o primeiro PC. Jonas estava muito concentrado na navegação, mas eu claramente não estava aguentando o ritmo. Comecei a usar os bastões, o que me ajudou muitooo, mas continuava ficando para trás algumas vezes. Sono, cansaço, dores musculares, tudo me aparecia. Tentei cafeina, cápsulas para concentração ... parecia que nada fazia efeito. Assim seguimos a noite toda. Os meninos em busca dos PCs ... e eu em busca dos meninos. Quase amanhecendo paramos para um cochilo, mas os 10min foram muito rápidos dessa vez, não consegui me aquecer e consequentemente não dormi ...

Eu seguia com meus bastões tentando alcançar os meninos, Alexandre sempre me esperava um pouco, me cuidava, eu já não conseguia comer mais, estava ficando mal ... Alexandre percebeu e me fez comer ... Nessa hora, comendo, me bateu um desespero, medo de não aguentar, sensação ruim por estar atrasando os meninos ... comecei a chorar ... Alexandre me olhou e foi pior, chorei mais ainda ...fiz sinal para que continuasse e segui, comendo, caminhando e chorando copiosamente ... pronto passou. 

Eu já havia falado pro Jonas que precisava descansar, mas ele queria aproveitar que tudo estava dando certo e seguir navegando. 

Na minha cabeça achava que estávamos perto do fim desse trekking, mas descobri que ainda faltava muito. Tomei uma cápsula de Advil oferecida pelo Alexandre. 
Logo melhorei das dores, mas o up veio mesmo quando lembrei de tomar as cápsulas de cansaço e fadiga prescritas pela Nutri Maiara ... eu havia montado kitzinhos de cápsulas para tomar de 6 e 6h e outros de 15 em 15h .. já estávamos no terceiro dia de prova e eu já estava negligenciando a suplementação. Esse evento me mostrou que poderia ter sofrido menos se tivesse dado mais atenção a isso. A partir dali tentei voltar aos horários dos suplementos. 

Caminhamos por mais algumas horas até chegar ao AT. 

Já haviam cortado algumas equipes no inicio do trekking, então chegando haviam caixas de apenas 3 equipes uma saiu antes da gente e outra depois. 
Peguei minha sacolinha para o último pedal e fui até a barraquinha Kazaqui me trocar, aquele mesmo esquema, lencinhos umedecidos, talquinho nos pés já judiados, roupa limpa ... organização da mochila. A princípio havia pensado em pedir para dormir um pouco, mas estavam desmobilizando o AT e certamente seria mais uma tentativa frustrada. 

Voltei ao encontro dos meninos e terminamos a preparação para nosso último trecho. 

Leg 7 - Kayaking - 55k 
Cancelada 

Leg 8 - MTB - 147k

Iniciamos o pedal repetindo uma parte do trajeto anterior (dessa vez sem aquele vento maluco). Fomos até a cidade da inundação novamente, agora por um caminho diferente, já que precisávamos pegar alguns PCs. 
Numa parte desse MTB teríamos que pegar um PC numa vila e nesse momento descobrimos que o mapa que mostrava a localização exata deste PC havia ficado na caixa (ao todo tínhamos 7 ou 8 mapas), achávamos que este mapa não seria mais necessário. Chegamos a uma vila (que batia com a descrição do Racebook) e o PC deveria estar num dos cantos, a OESTE pelo que me lembro. 

Vasculhamos a vila toda e nada. Ficamos muito preocupados.
Nessa hora, não sei porque cargas d'água, o Alexandre foi olhar algo na mochila e encontrou o mapa. Num dia anterior o Jonas havia pedido para ele guardar o mapa e ele havia pedido para eu colocar na mochila, mas nem sabia que mapa era, só guardei. Foi muita sorte, porque nunca encontraríamos o PC sem o mapa, já que a vila em que estávamos não era a vila certa (rsrs). Nem no local certo foi fácil achar o PC.

Dali iríamos cruzar uma cadeia de montanhas e era importante fazer isso de dia, já que a noite poderíamos nos complicar, tanto na orientação quanto pelo frio.
O local era lindo. 

Chegamos ao topo já perto de começar a escurecer. Para ajudar ainda começou a chover. Pegamos o último PC da montanha, colocamos roupas adequadas ao frio e a chuva e começamos a descer.
Nem preciso falar que a descida foi show.





Chegando lá embaixo, numa vilazinha bem pequena, o Jonas foi surpreendido por um morador local (achamos que era). A principio pensamos que o cara só queria tirar uma foto, mas logo se juntaram uns 5 caras, com um carro e uma Van. Os caras olhavam nossas bikes e para gente e não pareciam muito amigáveis. Começamos a ficar preocupados.

Tentamos explicar (por mímica) que estávamos participando de uma corrida, e que precisávamos chegar numa cidade chamada Altay. Mostramos as placas de identificação nas bikes, mas eles não pareciam satisfeitos, e quanto tentando continuar nosso caminho nos seguraram.
Pedimos para que nos levassem até Altay.

Entraram no carro e aparentemente iriam nos ajudar, só que estavam nos escoltando, um carro a frente e outro atras. Nesse momento conversávamos sobre o que iríamos fazer. A estrada era meio deserta e não sabíamos se estavam nos levando para o local certo. Num dado momento pararam o carro da frente e num impulso tentamos continuar. Quando perceberam o carro de trás nos ultrapassou e bloqueou nosso caminho. Nessa hora ficamos realmente preocupados.
Continuamos tentando explicar que precisávamos ir, que estávamos numa competição, mostramos nossa identificação. Mas eles continuavam com cara de poucos amigos. Faziam ligações e nos deixavam assustamos. Chegaram mais uns caras estranhos e todos conversavam em chinês e olhavam para a gente. 

Estávamos com um equipamento rastreador da organização que possuía um botão de pedido de ajuda. Conversamos e decidimos apertá-lo, mesmo sabendo que estaríamos fora da prova.
Como ultima opção, lembrei que no nosso racebook tinha um telefone da organização. Insisti para que ligassem. Conversaram um tempo e aparentemente isso acalmou os locais. 
Depois disso deixaram a gente seguir. Pedalamos assustados por um longo período, sem saber exatamente onde estávamos, mas procurando um local seguro para conversarmos.
Chegando numa cidadezinha respiramos mais tranquilos e enviamos uma mensagem (cia rastreador) para a organização, dizendo que estava tudo bem e que seguiríamos na prova.
Começou a chover.

Procuramos um lugar para nos abrigar e decidimos descansar um pouco. Deitamos com nossos sacos de dormir numa garagem, meio molhada. Dormimos por cerca 1h30. Acordamos, estava bem frio, mas precisávamos seguir. Nos orientamos, encontramos o caminho e seguimos. Pedalávamos por uma estradinha pequena mas asfaltada. Passamos por um posto policial e seguimos, depois de uns 5km um policial de moto nos parou. Lá vai nós tentar conversar por mímica. Ele insistiu para que voltássemos até o posto policial. Sem opção, voltamos.
Lá (assim como o caso dos locais, até hoje não sei porque) cadastraram nossos passaportes, pelo menos foram mais amigáveis. Percebemos que possuíam dois quartos no posto policial. Estávamos cansados, assustados e preocupados em seguir depois desses problemas. Segundo o Jonas, o próximo trecho seria de dificil navegação.  Acabamos perguntando se poderíamos ficar ali até amanhecer. Dormimos por mais 3h.

Acordamos já de manhã. Arrumamos nossas coisas, lavei a cara, escovei os dentes (sim, levei uma escova e pasta de dentes rsrs) e seguimos.

Seguindo deu para ver que realmente seria difícil fazer aquele trajeto durante a noite. Várias bifurcações, algumas vilas ... até que começamos a subir, subimos bastante num trajeto lindo. Pedalamos algum tempo no topo de um cânio, depois descemos e seguimos por dentro dele por longos quilometros. Por fim voltamos pro topo. No ponto mais alto encontramos uma daquelas barracas Kazaqui, onde havia um PC. 

Já estava quase sem água, conversei com o local e ele me ofereceu água para abastecer o camelback, mas teria que ir até sua casa. Jonas falou que a partir dali seria só descida e que logo chegaríamos (doce ilusão), então seguimos assim mesmo.
Realmente tivemos um baita descidão, mas depois disso entramos novamente num cânion e ficamos horas ali dentro, atravessa o rio para direita, pedala 100m, atravessa o rio para esquerda, pedala 100m, atravessa o rio para a direita, pedala 100m ...
Ufa, conseguimos sair do cânion. 

Pedalamos mais uns km e finalmente chegamos no AT, a partir dali só mais 1km "trotando", por dentro da cidade, até a chegada. 
Meio louco chegar numa cidade relativamente grande depois de vários dias no mato.
Chegando lá haviam várias pessoas do ARWS nos aguardando. Medalhas, Risadas, Espumante ... já sabiam do ocorrido com aqueles tais moradores locais e estavam curiosos para ouvir nossas histórias.

Não sabíamos que estavam tomando nota, mas acabaram publicando nossa história:

Após a comemoração fizemos nosso checkin no BIG Hotel. Pensa na felicidade de tomar um banho depois dessa aventura ... 


Hotel: só tenho essa foto noturna tirada no dia seguinte

Dá uma olhada no estado das pernas



Concluindo:
Obviamente concluir essa prova foi um desafio e tanto, principalmente pelo fato de eu não estar treinando especificamente para algo tão grandioso. Mas o fato é que achei que chegaria à linha de chegada acabada (ou melhor muitoooo acabada), mas sério, poderia continuar por mais muitos e muitos km, incrível a força do nosso corpo, realmente não sabemos qual nosso limite e certamente ele está muito acima do que imaginamos.
Agradeço ao Jonas por acreditar em mim e me convidar para esse desafio e agradeço imensamente ao Alexandre por me cuidar durante todo o percurso.

Fotinho na chegada (faltou o Pincu, mas é a única que tenho)